HISTÓRIA

Por volta de 1580 era prior da freguesia, um fidalgo torrejano - P. Jorge de Sousa de Alvim - capelão fidalgo da Casa Real, onde serviu em tempo do Cardeal - Rei D. Henrique e de Filipe I.
Era filho de D. Simão Fernandes da Costa, fidalgo da Casa Real, comendatário do Mosteiro de Rendufe, sobrinho do Cardeal de Alpedrinha, D. Jorge da Costa, e de D. Filipe de Sousa de Alvim, da linhagem de D. Nuno Álvares Pereira.
Em Pedrógão, na Quinta de Santo António onde residia, fundou em 1588 uma capela dedicada a este Santo.
Enquanto servia na Corte, apaixonou-se por uma sua prima, D.Francisca de Noronha, açafata da rainha D. Catarina, mulher de D. João III, raptou-a e levou-a para a sua quinta de Pedrógão, onde se sentia mais em segurança. Foi grande o escândalo na corte. A Inquisição ocupou-se do caso, tendo enviado a Pedrógão oficiais da justiça para esclarecer o assunto.
De D. Francisca de Noronha, além de quatro filhas (todas freiras), teve também quatro filhos varões, a quem por testamento de 6/7/1606 legou os morgados seguintes :
1 - A Quinta de Ceiça, concelho de Ourém, e outras em Viseu, instituiu capela e morgado para o filho Simão de Sousa de Alvim,
2 - As terras em Alfeizerão instituiu capela para seu filho Pedro Melo de Sousa.
3 - A Quinta de Vila Verde, concelho de Vila Chã, instituiu capela para seu filho Henrique de Sousa Alvim.
4 - A Quinta de Pedrógão e bens em Torres Novas e Porto de Mós, instituiu um morgado para seu filho Manuel de Sousa de Alvim, que quer use sempre o apelido de Alvim.
O P. Jorge de Sousa de Alvim está sepultado na Capela de Santo António, em Pedrógão. A lápide tumular primitiva dizia :
"Aqui jaz Jorge de Souza, primeiro fundador desta casa, e filho de D. Simão da Costa, comendatário e fundador do Mosteiro de Rendufe, arcebispado de Braga".
Esta pedra foi posteriormente substituída pela actual, quando da restauração da capela em 1818.
A sua descendência entroncou na dos Mogo de Melo, chegando até aos nossos dias, sendo o seu último representante, em Pedrógão, António Mogo de Melo e Alvim, falecido em 15/10/1932.
Nos dias de hoje, por motivo da posse da Capela pertencer a particulares esta encontra-se completamente abandonada e em ruínas. Sendo muito difícil ou mesmo impossível a sua reconstrução. Uma grande perda para a nossa história.
No séc. XVIII (1758), o lugar de Pedrógão era já o mais importante da freguesia, pelo que os seus habitantes tentaram transferir a sede do Alqueidão para aqui, tendo, porém, sido goradas as suas aspirações, devido à forte oposição dos moradores de Alqueidão e de Adofreire.
Quando da invasão de Junot (1807-1808), os franceses estiveram em Pedrógão e outros lugares da freguesia. Apesar das desgraças que uma invasão estrangeira sempre acarreta, a população do lugar de Pedrógão foi relativamente poupada, graças à intervenção do Dr. Prudente Firmino de Carvalho, homem de grande cultura, que fez com o comandante francês um acordo secreto, na Serra, segundo o qual os invasores se comprometiam a respeitar pessoas e bens do lugar de Pedrógão, até um raio de um quilómetro, em troca de alojamento das tropas nas casas da povoação.
Ficando o Alqueidão fora dos limites estabelecidos pelo acordo, era natural que a população tivesse sido mais molestada e, em caso de aflição, se refugisse em Pedrógão.
Daí, talvez, a irónica designação de «França» para o Alqueidão. Existia mesmo uma autêntica fronteira assinalada por um tanchão, junto à estrada, no limite das duas povoações, chegando-se ao ponto de dizer: «tu és do tanchão para cá» ou «tu és do tanchão para lá», para marcar bem a diferença entre elas.
DANOS E PERDAS CAUSADOS PELOS FRANCESES NA FREGUESIA
(Trabalho de pesquisa de Manuela Poitout)
O prior da freguesia de Alqueidão da Serra, que nunca abandonou a sua paróquia, num extenso documento de nove páginas [1], começou por indicar que a igreja matriz da mesma, Santa Maria de Alqueidão da Serra, era a mais antiga do termo de Torres Novas, salientando que, em 1222, já a sua Igreja era Paroquial e Prioral, sendo a residência dos priores, “há muitos anos”, no Pedrógão.[2]
Na época das invasões, a freguesia, situada na encosta da “grande, asperrima e montuosa Serra de Aire”, era constituída por 18 povoações e cinco vintenas. Tinha então a mesma freguesia 1400 e tantas pessoas de toda a idade, e 357 fogos, restando 275 fogos depois da saída dos franceses. Morreram 282 pessoas da freguesia, mas apenas três foram assassinadas pelo inimigo.
Os invasores roubaram tudo quanto encontraram, inclusive os bens do pároco, a quem deixaram sem nada, valendo-lhe a ajuda de alguns fregueses, que repartiram com ele o pouco que tinham, para não morrer de fome.
Os três primeiros lugares invadidos foram Pedrógão, Alqueidão e Dofreire.
No Pedrógão ficou uma guarda de 23 efetivos franceses, capitaneados por um capitão Lima, a quem o pároco chama traidor e
ex-português. Prometeu aquele capitão Lima defender as vidas e honras dos habitantes do Pedrógão, “e mais nada”, e “com efeito assim o fez dentro daquela povoação”, de resto levou tudo quanto havia, pão de toda a espécie, cevada, legumes, vinho, azeite, aguardente e aves de pena. Os gados foram logo tirados juntos para o exército, o mais foi sendo tirado lentamente, até não restar nada.
Escreveu o Padre Manuel António Gonçalves Preto que “ao aprisco” da dita guarda francesa “entraraõ a concorrer gentes de diversas partes desde Santarem até Condeixa, e desde o Mar até o Tejo”, em número “de mais de 7.000 almas”, certamente por terem ouvido dizer que ali os franceses não molestavam as pessoas. Esses fugitivos foram quase todos “apanhados, feridos, espancados, despidos e ultrajados”, não havendo curral, palheiro, lagar, chiqueiro que não estivesse entulhado de gente, ao rigor do tempo invernal.
Dessas difíceis condições resultou uma epidemia mortífera, que causou 815 vítimas, sendo insuficiente a capela e quintal anexo para enterrar tanta gente. O pároco teve de escolher um terreno, no limite da povoação (Pedrógão), que foi transformado em cemitério. Aos doentes socorreu e ministrou os sacramentos, “não largando nunca os vestidos tallares e insignias”. Não houve só mortes, porque realizou 86 batismos, e tanto as mortes como os batismos foram registados nos livros de assentos, que ficaram a salvo das rapinas e destruições, assim como as vestes sacerdotais e alfaias litúrgicas.
Os franceses arrombaram a Igreja Paroquial em 7 de dezembro, arrombaram o sacrário e queimaram-no, e quebraram as mãos à padroeira. Nada mais fizeram nesse dia.
Durante a noite, indo pelos matos, o pároco foi lá, verificou que os invasores se tinham retirado, e trouxe as imagens sobre os ombros, para sua casa. Mandou fazer um caixão seguro, onde as meteu, e pediu a duas pessoas de sua confiança para o lançarem num poço profundo de água, onde escaparam com mais algumas imagens de outras capelas da freguesia, e assim se retiraram ilesas.
Das seis capelas existentes na freguesia, só duas ficaram intactas. O Padre Gonçalves Preto não diz quais, mas mencionando as que ficaram danificadas, há duas que não são incluídas nessa lista, as do Pedrógão, logo foram essas as intactas, que eram as de Santo António e São João Batista. Da de São Domingos, em Alqueidão, e de Santo António, no Vale da Serra, levaram os cálices, “por descuido de quem dellas tratava”. A de Vale da Serra foi a mais arruinada, assim como a povoação, que ficou quase deserta. Os templos de Dofreire, Sta. Marta, nos Casais de Marta Annes, e Moinho da Fonte, pouco padeceram. A Igreja Matriz, em Alqueidão, serviu de curral de gado, e deu muito trabalho a limpar, mas em 28 de abril já ali se celebrou missa e houve exposição do Santíssimo, “estando o trono iluminado com 50 lumes”.
Após a retirada do grupo da guarda do capitão Lima, pensou o pároco que, desprotegidos, estariam à mercê dos invasores tal como todas as outras povoações, e organizou um grupo de defesa, pedindo ao Juiz da Vintena “que fizesse apromptar todos os homens, tanto os da Povoaçaõ como os de fora para que apromptassem todas as armas que tivessem escondidas, tanto espingardas, como chuços e outras quaisquer”. Estava em Pedrógão, em perigo de vida, um capitão de ordenanças que tinha munições escondidas, e com estes recursos, humanos e de armas de ocasião, se organizou a defesa, impedindo a entrada de mais franceses.
O terreno da freguesia ficou quase todo ele inculto, por falta de sementes, gado e agricultores, e a serra toda pisada. Perdeu-se a pouca azeitona que havia, por ninguém a poder apanhar, dado que não podiam sair da povoação. Na altura em que o pároco redige o seu relato, em maio, “estão as oliveiras cheias de gafeira”.
Escreveu Artur Gonçalves, em Torres Novas – Subsídios para a sua História, pp. 156-157, que tinha uma carta de um antigo pároco do Pedrógão, já falecido, onde se enaltecia a ação do advogado Dr. Prudente Firmiano de Carvalho, durante as invasões francesas, o qual, residente no Pedrógão, se foi encontrar com os franceses na serra, deles conseguindo que o Pedrógão e suas cercanias, até uma distância de um quilómetro, ficassem imunes dos vexames da tropa. O mesmo advogado teria recebido em sua casa a oficialidade, e os soldados, uns centos, teriam ficado aboletados em casas dos pedroguenses. Mais tarde, o advogado foi julgado como jacobino, e absolvido, tendo ele próprio apresentado a sua defesa.
O Pároco Gonçalves Preto nada disto referiu nas nove páginas do seu relatório (visualize aqui o relatório), o que é estranho, dado ser contemporâneo e testemunha dos factos, ao passo que o Padre Rosa de Carvalho, autor da carta referida, esteve no Pedrógão pelo menos até 1911, um século depois das invasões francesas.
Efetivamente, o Dr. Prudente Firmiano dos Santos (e não Carvalho) foi julgado e absolvido, e a notícia que a seguir se transcreve confirma uma parte da narração de Artur Gonçalves.
Relata a Gazeta de Lisboa n.º 183, de 7 de agosto de 1813, o seguinte: “O bacharel Prudente Firmiano dos Santos, Advogado na villa de Torres Novas, tendo sido prezo em Março de 1811 pela imputaçaõ de factos, que na suposiçaõ de verdadeiros o conceitoaraõ delinquente na opiniaõ de muitos, que ignoravaõ a verdade; acaba de ser julgado innocente por Accordaõ da Comissaõ Especial Militar de 28 de Abril de 1813, o que por este modo se faz público para reparação do seu credito.”
[1] Arquivo Histórico do Patriarcado de Lisboa, Correspondência da Vigararia de Torres Novas, Maço SR13.25.
[2] Alqueidão foi sede da paróquia até 1876, ano em que a sede mudou para o Pedrógão, por decreto de 19 de julho.
A TRANSFERÊNCIA DA SEDE DA FREGUESIA PARA PEDRÓGÃO
Pelo menos desde meados do séc. XVIII, o lugar de Pedrógão se julgava com direito a ser sede de freguesia. Só, porém, no último quartel do séc. XIX um grupo de Pedroguenses deu corpo a esta velha aspiração dos seus conterrâneos, apresentando um requerimento a El-Rei D. Luís I, pedindo ou a criação de uma nova paróquia ou a transferência da sede de freguesia de Alqueidão para Pedrógão.
Os motivos alegados foram: ser o lugar "mais importante, mais central e mais populoso", a capela de Pedrógão servir, na prática, de igreja paroquial, e o próprio pároco nele residir.
Estes argumentos foram considerados válidos, e autorizada a transferência por Decreto de 19/7/1876, mas devendo ser observados certos requisitos - ampliação da Capela e satisfação de todas as "condições litúrgicas" para posterior aprovação pelo bispo da diocese.
Cumpridas as determinações exigidas, o Cardeal Patriarca de Lisboa, D. Inácio do Nascimento Morais Cardoso, autorizou a transferência da paróquia por Previsão de 16/2/1877 e Ofício de 27/2/1877. Nestes dois documentos se indicava com pormenor o modo como efectuar essa transferência, conforme Auto lavrado no próprio dia, autenticado pelos participantes e testemunhas da cerimónia.
A concretização deste facto, se representou uma grande vitória, exigiu também um pesado sacrifício de todos os habitantes de Pedrógão, pois que, para efectuar as obras na igreja, adquirir as alfaias e pagar as despesas judiciais, foi necessário o povo contribuir com trabalho e dinheiro, chegando até a empenhar os seus haveres.
Isto pôs à prova a capacidade de iniciativa, força de vontade, coesão e coragem do povo, que, não olhando a dificuldades, colocou sempre em primeiro lugar os interesses da comunidade.